16 julho, 2011

Hino brasileiro

Bolívar Lamounier escreve sobre corrupção


Corrupção: os porquês de nossa aparente passividade, e possíveis saídas (I)

de Bolívar Lamounier

Sobre o tema indicado no título, eu talvez devesse me limitar a uma recomendação enfática do texto que o Reinaldo Azevedo postou hoje (13.07) no blog que mantém na revista Veja. Se invento de lhe acrescentar alguma coisa, é mais pelo gosto do debate, e na esperança de encontrar algo útil a dizer em razão de minha formação em ciência política.

O que motivou o Reinaldo foi um artigo publicado no dia 7 deste mês pelo jornalista Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol El País. Como tantos de  nós temos feito, Arias perguntou onde estão os brasileiros indignados. Por que não ocupam as praças para protestar contra a corrupção e os desmandos?

Com sua habitual precisão, Reinaldo começa observando que a resposta não é simples nem linear: as praças estão vazias devido a uma conjugação de vários fatores. No essencial, porém, ele diz que o “povo” não está nas ruas porque foi privatizado pelo PT;  porque o PT compra, por exemplo, o MST com o dinheiro que repassa a suas entidades;  porque a outrora gloriosa UNE hoje é apenas uma repartição pública alimentada pelo lulo-petismo com milhões de reais; porque a CUT e as outras centrais sindicais,  tão vigilantes nos tempos de FHC, também se tornaram sócios bem-remunerados da corrupção dos últimos anos, e convenientemente esqueceram, como é óbvio, suas antigas críticas ao Imposto Sindical, cobrado compulsoriamente dos trabalhadores, sejam sindicalizados ou não.

O Imposto, como ninguém ignora – diz Reinaldo -, “é a fonte que alimenta as entidades sindicais e as próprias centrais, que não são obrigadas a prestar contas dos milhões que recebem por ano. As esquerdas dos chamados movimentos sociais estão engajadas, mas em defender o governo e seus malfeitos. Afirmam abertamente que tudo não passa de uma conspiração contra os movimentos populares. As esquerdas infiltradas na imprensa demonizam toda e qualquer reação de caráter legalista. Ao longo dos quase nove anos de poder petista, a sociedade brasileira ficou mais fraca, e o estado ficou mais forte; não foi ela que o tornou mais transparente; foi ele que a tornou mais opaca. Em vez de se aperfeiçoarem os mecanismos de controle desse Estado, foi o Estado que encabrestou a sociedade civil”.

E OS “CARAS-PÁLIDAS”, POR ONDE ANDAM?

Aí está, em grandes linhas, o triste quadro pintado por Reinaldo Azevedo. O problema, infelizmente, é que ele piora bastante  à medida em que lhe acrescentamos certos fatores demográficos e sociológicos sabidamente relevantes; por exemplo, a descontinuidade da memória coletiva em relação às duas principais mobilizações dos últimos 30 anos. Dezoito anos se passaram  desde o movimento pelo impeachment de Fernando Collor, e 26 desde a campanha das Diretas-Já.

De meados dos anos 80, quando assistimos ao restabelecimento do poder civil e da democracia, uma geração inteira entrou em cena. Qualquer pesquisa que se faça mostrará que a geração mais jovem simplesmente ignora o que se passou nessa época; hoje, a própria  expressão “caras-pintadas” designa um fato histórico já meio perdido nas brumas do tempo.

A passividade, aparente ou real,da sociedade frente aos escândalos de corrupção (II)

de Bolívar Lamounier

Este é o segundo de uma série de três posts que planejei sobre o candente tema da passividade brasileira frente à corrupção. A rigor, meu objetivo é focalizar melhor as questões em jogo, uma vez que o tema em si permeia vários dos textos que elaborei para este espaço.

Recapitulando um pouco, eu me propus abordar o assunto por meio de três indagações:

Por que há tanta corrupção?
Por que a sociedade não reage; como se explica tamanha passividade?
É possível imaginar uma situação futura na qual uma parcela ao menos dos cidadãos rompa essa passividade e se comporte como uma verdadeira “comunidade moral”? Que podemos fazer de prático para que isso aconteça?
Hoje, vou repisar alguns aspectos da primeira indagação e me concentrar na segunda; deixo para amanhã o desafio maior, que é o de sugerir providências práticas.

POR QUE HÁ TANTA CORRUPÇÃO?

Esta pergunta não comporta uma resposta única ou consensual, mas alguns pontos parecem-me bastante bem ancorados. Pensemos, inicialmente, no aspecto internacional: a incidência da corrupção entre países. Dada a virtual impossibilidade de se medir de fato a quantidade de corrupção, muitos pesquisadores utilizam uma medida subjetiva: a quantidade de corrupção percebida por um grupo de avaliadores, ou por uma amostra qualquer da sociedade. Convenhamos que não é uma solução satisfatória. De qualquer modo, há estudos estatísticos mostrando o óbvio: a corrupção percebida é mais alta em países mais pobres. Essa constatação sem dúvida envolve um círculo vicioso ou, se preferem, um efeito inercial; se há muita corrupção, é porque os transgressores lograram montar e mantêm uma complexa organização, esquemas de proteção etc que o poder público, com seus parcos recursos, não consegue combater de forma eficaz.

Observe-se, porém, que estudos desse tipo baseiam-se em comparações estáticas (sincrônicas), tomando certo número de países num mesmo momento do tempo. Se pudéssemos documentar o que ocorre num mesmo país através de um dilatado período de tempo – ou seja, na perspectiva diacrônica -, constataríamos o oposto, isto é, que a corrupção cresce  à medida em que a renda total da sociedade e a mobilidade da riqueza aumentam. Dizendo-o de outra forma, a corrupção não diminui à medida em que a riqueza aumenta: ela aumenta, durante um longo período, à medida em que a economia se desenvolve.

Um terceiro ponto que vários estudiosos brasileiros têm sugerido e pesquisas internacionais têm confirmado, é que a corrupção tende a ser tanto maior (ceteris paribus) quanto maior o controle do Estado sobre a economia e mais acentuada a participação dele como responsável direto por uma grande parcela das atividades produtivas.

Finalmente, e aqui vou fazer uma afirmação passível de controvérsia, o conjunto de forças políticas que chegou ao poder no Brasil nos últimos anos parece imbuída de certas concepções de política, de crescimento econômico e mesmo de Estado assaz desfavoráveis a um esforço sustentado de combate à corrupção. Falta-lhe, desde logo, uma compreensão rigorosamente impessoal do Estado, por sua vez imprescindível num projeto político efetivamente modernizador.

Por essa ou por outras razões, as referidas forças têm-se mostrado lenientes com a corrupção, ou pouco propensas a enfrentá-la; é o que me parece, embora a presidente Dilma Rousseff  me pareça merecer o benefício da dúvida em função de algumas atitudes que tem assumido.

O leitor poderá estranhar eu não haver incluído em minha lista alguns dos argumentos mais comuns, ou mais tradicionais:  aqueles que invocam a nossa “origem ibérica”, a “cultura brasileira”, o “caráter nacional” etc; não se trata de implicância ou dogmatismo, e sim de certa dificuldade que encontro  toda vez que me proponho verbalizá-los com o desejável rigor lógico.

POR QUE A SOCIEDADE NÃO REAGE?

A passividade real ou aparente da sociedade brasileira já em parte se explica pelas razões acima, mas três outros fatores me parecem igualmente essenciais.

O primeiro é o desempenho da economia: a inflação sob controle desde meados dos anos 90, e o forte crescimento do PIB e da renda nos últimos cinco anos. Como é arqui-sabido, esta combinação de fatores econômicos propiciou índices de aprovação extremamente elevados ao governo Lula, com duas importantes decorrências no que tange ao ânimo contestatório da sociedade. Por um lado, nas condições apontadas, o presidente anterior não teve dificuldade em “anestesiar” a sociedade com sua retórica e sua fértil imaginação, prevenindo (sobretudo junto ao “povão”) o aparecimento de algum foco de insatisfação eventualmente portador de questionamentos éticos. Pelo outro, uma acentuada relutância entre os políticos – aqui me refiro a todos, governistas e oposicionistas, desde os senadores e deputados federais aos vereadores do mais humilde município – a assumirem um discurso contundente, e já nem falo em ações mais expressivas de contestação.

A segunda razão que desejava mencionar é que a mobilização da opinião pública e a ocorrência de manifestações de protesto dependem muito do tipo de problema ou de malfeito que estejamos analisando. Uma coisa é o que os americanos denominam bread-and-butter issues: problemas econômicos. A instabilidade da moeda (quem não se lembra da super-inflação que nos atormentou durante décadas?) e carências agudas soem despertar protestos de forte intensidade e bastante amplos, espraiando-se, no limite, para o país inteiro. Mas é ingenuidade imaginar que protestos comparáveis tenham alta chance de acontecer em relação a problemas “meramente” políticos, infrações éticas ou mesmo a escândalos de corrupção, por afrontosos que estes sejam. Esta afirmação pode causar espécie e dar ensejo a irritadas objeções:  como foi então que milhões de brasileiros foram às ruas por ocasião da campanha pelas Diretas-Já e novamente quando do impeachment do presidente Fernando Collor de Melo?

A diferença, no meu modo de ver, reside na configuração política daqueles dois fatos; no fato, melhor dizendo, de ambos haverem adquirido uma feição nítida e dramaticamente plebiscitária, condição que não se repetiu nenhuma vez desde então. Por configuração plebiscitária deve-se entender uma situação percebida e vivida como um confronto entre dois e somente dois lados. Sim ou não, preto ou branco, aceitar ou não aceitar.  Questões éticas e escândalos de corrupção não necessariamente se apresentam como uma contraposição radical entre dois lados.

No caso de Collor, o caráter de confronto se estabeleceu basicamente em virtude – atenção!!! – da percepção generalizada de que o próprio presidente da República e sua família estariam envolvidos em práticas de corrupção. Depois dele, o paralelo mais próximo teria sido a situação de Lula durante a crise do mensalão, mas em nenhum momento ele chegou a ser percebido nos mesmos termos.

Contra a minha avaliação, pode-se evidentemente levantar uma série de “ses”: se a oposição tivesse sido mais contundente, se a Rede Globo tivesse feito isto ou aquilo…Pode ser, tudo é possível; neste texto, não tenho como correr atrás de todas essas possibilidades.

Em terceiro e último lugar, a participação política da sociedade é dificultada por um conjunto de fatores abundantemente estudado pelos  cientistas políticos. Este ponto tem tudo a ver com aquele que é o argumento não apenas mais comum, mas provavelmente  o mais sofrido de quantos temos ouvido ultimamente: a despolitização do povo brasileiro.

Aqui estamos nas cercanias da auto-flagelação. Para muitos, o problema é o subdesenvolvimento, a pobreza, os índices educacionais pavorosamente baixos da maioria dos brasileiros. Para outros, já é uma questão cultural, ou de caráter; a esta altura, estamos todos metidos num convívio generalizado com a corrupção;  com tal elenco, afirma-se, não tem  jeito mesmo; ninguém quer saber de nada, que dirá de ética; esse quadro, dizem os mais angustiados, não muda em menos de 500 anos.

Sim, o povo brasileiro é despolitizado. Num país de baixa renda e com tamanhas carências educacionais, esta afirmação pode ser considerada óbvia. Mas vamos com calma. Aqui, é essencial levar em conta o conhecimento acumulado sobre participação política, que remonta ao segundo após-guerra e abrange praticamente todos os  países do mundo.  Existe evidentemente uma relação entre status social (renda, nível educacional) e politização. Por politização devemos entender uma disposição a participar  (uma propensão psicológica); tal disposição inexiste, ou não adianta muito, quando o indivíduo carece de certos recursos fundamentais, como a educação, já mencionada, o pertencimento a grupos sociais que a reforcem etc etc. No frigir dos ovos, o que importa é portanto a capacidade de acompanhar os acontecimentos de maneira atenta e sustentada, a ponto de assimilar, contextualizar e processar criticamente as informações.

Assim entendida, a politização é um fato muito mais raro do que se imagina; qualquer que seja o país tomado como referência, o cidadão médio é muito, mas muito menos politizado do que as pessoas de alto nível educacional em geral supõem.

Ora, se a afirmação anterior vale para o “cidadão médio” (não importando aqui o método empregado em tal mensuração), é evidente que a noção de “despolitização” se aplica a fortiori aos estratos menos escolarizados: ao “povão”. Neste nível, princípios políticos abstratos são pouco compreendidos, para não dizer quase universalmente ignorados, portanto pouco relevantes.

O que têm “princípios políticos abstratos” a ver com escândalos de corrupção? Ora, basta ler o caput do artigo 37 da Constituição: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Sim, de acordo, a turba que de tempos em tempos queima centenas de automóveis em Paris “participa”: manifesta sua insatisfação. Revolta-se. Não perde a chance de chutar o balde. Sim, participa, mas nem por isso deixa de ser uma turba; por pior que seja a situação dos integrantes daqueles grupos, por maior que seja o sofrimento deles,  descrever seu comportamento como “participação cidadã” equivale a abastardar bastante este último conceito. Nada faz crer que sejam pessoas politizadas no sentido que acima dei a esse termo.

Outro ponto importante é que toda participação tem custos.  Não precisamos nos deter aqui na definição técnica de tais custos ou nos métodos usados em sua mensuração. Basta lembrar que toda participação exige atenção, assimilação e processamento de informações, ou seja, no mínimo um custo em termos de esforço e de tempo. Envolve também riscos: isto os piromaníacos da periferia de Paris seguramente compreendem. Sempre há algum custo de oportunidade, dado que o indivíduo poderia empregar o tempo dedicado à participação noutra atividade: no lazer junto à família, por exemplo, ou assistindo a um programa na TV.

Pessoas cultas muitas vezes questionam esses empregos alternativos do tempo, torcem o nariz para os programas oferecidos pela TV etc. É uma atitude compreensível do ponto de vista de quem a sustenta, mas irrelevante pelo prisma do indivíduo hipotético a que estou me referindo, e portanto também irrelevante no que concerne à indagação de que eu parti no começo desta discussão.

O cidadão pode preferir tomar parte nas atividades que mencionei a participar de uma reunião política, e não deixa de ter razão, pois o grosso do trabalho político cabe às instituições: aos partidos, ao parlamento, aos juízes. A democracia é representativa, não direta; o cidadão delega poderes às instituições para que elas ajam por ele, e  as financia com seus impostos. Se o desempenho delas fica aquém do necessário, é outro problema.

O cidadão de meu exemplo é hipotético, mas é, bem ou mal,  um brasileiro, não alguém que tenha saído caminhando das páginas de Jean-Jacques Rousseau. Neste diapasão, ainda há alguns pontos importantes a considerar, como o papel da televisão e o que os cientistas sociais denominam dilemas da ação coletiva. Tratarei deles no próximo post.

A UNE, hoje


15 julho, 2011

Manchetes de hoje, 15/07


- Globo: Medo de calote leva China a pedir responsabilidade aos EUA
- Folha: Obama pressiona Congresso para evitar dar calote
- Estadão: Mulher de diretor do Dnit tem contratos para rodovias
- Correio: Reforço no caixa dos aposentados
- Valor: Usinas terão de garantir abastecimento de álcool
- Estado de Minas: Agora é melhor trabalhar no Brasil
- Jornal do Commercio: Mortos antes da explosão
- Zero Hora: MP e TCE investigam contratos de pardais em 58 municípios

Fonte: Josias de Sousa

Revistas semanais - 16 a 23 de julho de 2011